Buscas do Ministério Público à residência oficial do primeiro-ministro, António Costa, ainda a gabinetes de ministros do Governo, nomeadamente do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, mas também do ministro das Obras Públicas, João Galamba, cuja casa foi também alvo de buscas, tal como a Secretaria de Estado da Energia e Clima, a Câmara de Sines e o AICEP, resultaram numa crise que culminou na queda do Governo, por demissão de António Costa apresentada esta terça-feira ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Em causa estão suspeitas de corrupção em negócios de lítio e hidrogénio, que motivaram investigações por 20 magistrados, 145 elementos da PSP e nove oficiais da Autoridade Tributária, que efectuaram um total de 42 buscas iniciadas logo a partir das sete horas da manhã, 17 das quais domiciliárias.
O inquérito é dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), tendo sido determinadas cinco detenções por ter sido considerado que há “perigos de fuga, de continuação de atividade criminosa, de perturbação do inquérito e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas”. Foram assim detidos Diogo Lacerda Machado, advogado e padrinho de casamento de António Costa, tendo sido já secretário de Estado da Justiça, entre 1999 e 2002, quando António Costa foi ministro da Justiça, no governo liderado por António Guterres, e que, alegadamente, terá estado envolvido naqueles negócios com uma teia de influências, num negócio de 3,5 milhões de euros, também o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, ele que foi nomeado para as actuais funções em 2020 mas que já antes esteve ao serviço do Governo de José Sócrates, ainda o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, e os administradores da sociedade Start Campus de Sines, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves.
João Galamba foi constituído arguido mas ficou em liberdade
Foram ainda constituídos arguidos em todo este processo o ministro das Infraestruturas, João Galamba, ele que foi secretário de Estado do Ambiente e da Energia no anterior Governo, além de secretário de Estado Adjunto e da Energia e secretário de Estado da Energia em governos anteriores, desde 2019, bem assim como Nuno Lacasta, o presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente desde 2012. Curiosamente ao longo do dia desta terça-feira chegou a ser apontado o nome do próprio António Costa como tendo sido constituído arguido, o que não se confirmou.
Estão em causa crimes de prevaricação, corrupção activa e passiva de titular de cargo público e tráfico de influência, tudo alvo de uma investigação sobre os negócios do lítio, nomeadamente a concessão da exploração das minas de lítio em Montalegre por um período de meio século, mas também o megaprojecto de hidrogénio verde e a criação de um “data center” em Sines relacionado com o hidrogénio. Estes caos, motivaram uma investigação por parte do Ministério Público, a qual foi preparada entre o DCIAP e a PSP, e a propósito da qual o jornal Público já veio adiantar que a mesma foi desenvolvida “em absoluto segredo por receio de fugas de informação por envolver membros do Governo”.
No centro de todo este caso estão João Galamba e Pedro Matos Fernandes, o primeiro como arguido e o segundo tendo sido alvo de buscas, ambos com um passado comum no Ministério do Ambiente, o primeiro como secretário de Estado daquela pasta, e o segundo como ministro, tendo sido sucedido por Duarte Cordeiro, também ele alvo de buscas no seu gabinete.
Recorde-se a propósito de João Galamba que em 2 de Maio “segurou” o ministro João Galamba, acabando este por ser agora o único ministro em funções que acaba por ser constituído arguido, arrastando consigo na queda o próprio primeiro-ministro António Costa.
Costa em duas reuniões com Marcelo demitiu-se à segunda
Certo é que todo este caso, iniciado bem cedo nas primeiras horas da manhã desta terça-feira, com as buscas referidas, resultou numa primeira ida de António Costa a Belém, num encontro prévio com Marcelo Rebelo de Sousa, tendo ambos realizado uma segunda reunião ao final da manhã em que António Costa terá mesmo apresentado o pedido de demissão ao Presidente da República, um pedido que foi aceite como o próprio António Costa confirmou pouco depois das 14 horas em declarações à Imprensa a partir de São Bento, onde recusou a prática "de qualquer ato ilícito ou censurável", tendo manifestado “total disponibilidade” para colaborar com a justiça em tudo o que entenda necessário.
Sabe-se para já que os cinco detidos serão presentes a juíz esta quarta-feira, para serem interrogados e lhes serem aplicadas eventuais medidas de coacção, no âmbito de todo este processo, cabendo entretanto a Marcelo Rebelo de Sousa, depois de ter aceite a demissão de António Costa, determinar qual os próximos passos neste ambiente de crise em que o País se viu mergulhado em menos de 12 horas. Para já, Marcelo Rebelo de Sousa convocou também para amanhã, quarta-feira, os partidos políticos com assento parlamentar, para uma ronda de audiências no Palácio de Belém, em Lisboa, e avançou com a marcação de uma reunião do Conselho de Estado na quinta-feira, às 15 horas, devendo logo depois falar aos portugueses dando conta do que irá fazer de seguida.
Marcelo poderá procurar saber se o Partido Socialista terá condições para avançar com um novo Governo, suportado pela actual maioria parlamentar, ou se a saída desta crise passará por a convocatória de eleições antecipadas, o que, a acontecer, deverá permitir um acto eleitoral para Fevereiro ou mesmo para os primeiros dias de Março de 2024, devendo o Governo actual manter-se em gestão até lá.
Eleições antecipadas poderão acontecer em Fevereiro
Faltará ainda saber se o Orçamento do Estado será aprovado assim mesmo, no ambiente de “vazio governamental” em que vamos cair, podendo ser necessário recorrer a uma gestão dos dinheiros públicos por duodécimos até todo este caso estar ultrapassado. Para já, Carlos César, o presidente do Partido Socialista veio já dizer que o PS está disponível para enfrentar qualquer uma das soluções, podendo avançar para a formação de um novo Governo ou para eleições antecipadas, sendo que todos os partidos políticos da oposição ao actual Governo, à direita e à esquerda no Parlamento, pronunciaram-se já favoráveis à realização de eleições parlamentares antecipadas que permitam a formação de um novo Governo.
Jorge Reis
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